Não resisto a transcrever aqui duas passagens de um prefácio que considero excepcional:
Os fillósofos políticos têm feito notar muitas vezes que em tempo de guerra o cidadão, do sexo masculino pelo menos, perde um dos seus direitos mais elementares, o de viver (...). Mas raramente notaram que o mesmo cidadão perde ao mesmo tempo um outro direito, igualmente elementar e talvez ainda mais vital, no que diz respeito à ideia que faz de si próprio enquanto homem civilizado: o direito de não matar. Ninguém nos pergunta a nossa opinião. O homem que fica de pé à beira da vala comum, na maior parte dos casos, não quis estar ali mais do que aquele que está deitado, morto ou moribundo, no fundo da mesma vala.
Penso que me é permitido concluir como um facto estabelecido pela história moderna que toda a gente, ou quase, num conjunto de circunstâncias dadas, faz o que se lhe diz que faça: e, peço descupla, há poucas probabilidades de ser o leitor a excepção, tal como eu não a fui. Se nasceram num país ou numa época em que não só ninguém aparece para matar as vossas mulheres, os vossos filhos, mas em que ninguém aparece também para vos dizer que matem as mulheres e os filhos dos outros, dêem graças a Deus e vão em paz. Mas mantenham sempre presente no espírito esta ideia: talvez tenham tido mais sorte do que eu, mas nem por isso são melhores do que eu.
Por já ter lido e visto tanta coisa sobre os horrores do Holocausto, estou a aprender com esta visão, e tento colocar-me dentro de outras cabeças. O que teria eu feito se lá tivesse estado?
12 comentários:
Parece muito interessante!!A tua pergunta final fez.me lembrar de um momento no "The Reader" em que a Kate pergunta ao juiz se ele na posição dela teria feito diferente...dá mesmo que pensar...
beijinho
Se dá em que pensar...! Eu acho que sei o que teria feito se lá estivesse estado... mas não tenho (ou melhor, não posso ter) a certeza absoluta. E isso é que assusta - e muito.
Pois, eu também «acho» que sei o que faria, mas isso sou eu hoje, a pensar em Lisboa, no ano de 2009, em que apesar da crise vivo sem grandes problemas (apesar de me estar sempre a queixar...).
Fico contente que estejas a gostar do presente. Não faz só músculo enquanto se segura.
Também gostei muito deste livro. Sou uma grande adepta desta época da História e uma grande defensora do povo judeu. Este livro abriu-me novos horizontes e fez-me ver o «outro lado» de uma forma crua e dura. Boas leituras ;)
Queria prima, tens razão, não o leio ainda mais à noite na cama porque os meus braços não aguentam! ;)
E estás quase a regressar! :)
Vim cá para pelo link que deixaste.
Já li :) É um livro fantástico, sim senhora. Gostei da visão, um ponto de vista totalmente diferente dos que são mais comuns em obras ou filmes.
Dá que pensar e não podemos afirmar com veemência o que faríamos se lá estivéssemos. Só o saberíamos se passássemos por isso.
Não será fácil também desculpar-se dessa forma do que fez? Ou seja "se alguém mandar" já não há problema? Se alguém se responsabilizar pelos meus actos eu farei tudo? Onde está o meu "limite"?
A experiência de Milgram (área da psicologia) explica um pouco esse fenómeno mas nunca esquecer que haverá sempre quem se negue. Tal como, em época Nazi houve quem arriscasse a própria vida para salvar a de outrem. Muitos salvaram uma só família, um só individuo, outros tantos salvaram milhares mesmo sobre a pressão de os matar (como Schindler). Dizer "o que fariam vocês" é o mesmo que nos perguntar porque uns matam, roubam, violam e outros não. É algo que está em nós, como somos e quem somos. Muitos só se comportam "bem" por se sentirem inibidos socialmente mas, perante a oportunidade, abusam e humilham outros. Já outros têm atitudes completamente diferentes.
Eu gosto de ler todas as perspectivas mas esse livro só me faz questionar mais o nível de sociopatia de todos os generais e envolvidos directamente nas mortes dos nazis. Os mesmos que, depois de acabarem o seu trabalho iam para as festas, para a bebedeira, para a brincadeira (como documentado em diversos locais e por diversos meios). Quem, depois de ver crianças a morrer de fome, de matar, de humilhar, de privar de tudo o que é humano conseguia ir para casa, tomar um banho e ir para a festa. Comer, beber e namorar como se nada tivesse acontecido.
*envolvidos nas mortes dos judeus.
Ps: A questão do que aconteceu na guerra em si: naquela em que lutaram contra os Aliados é uma coisa, os que mantinham os judeus nos campos de concentração é outra.
Tudo isso é verdade, e como me conheço nunca o faria. Mas eu vivo em Portugal, no século XXI. Não sei como seria eu nessa altura. Mesmo. E tenho horror ao que foi o holocausto.
Vim aqui ter porque estou a ler este livro.
Acerca do assunto referido pelo anónimo, em que basicamente ele descreve os comandantes como pessoas que depois de acabar o trabalho iam para festas, há sempre a questão sobre o motivo de irem a festas. Iam para celebrar ou para colocar um penso na ferida feita na sua consciência? Quem lê o livro (eu ainda não acabei) tem de sentir o peso da mortandade no personagem e não o sentir e caracterizar todos como pessoal que durante o dia mata por matar e à noite vai viver a vida louca é desprestigiar tamanha obra.
Em relação à vespa há dois livros acerca do assunto, no sentido das pessoas que procediam às execuções, se o faziam porque queriam de facto executar uma raça ou se o faziam porque não havia grandes opções. No caso de querer ler a visão dos que defendem que os alemães matavam judeus com gosto há o Hitlers Willing Executioners de Daniel Goldhaggen. Em resposta há um livro assinado por Ruth Betina Birn e Norman Finkelstein chamado A Nation on Trial: The Goldhagen Thesis and Historical Truth
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Olá João, obrigada pelas sugestões, é um assunto que sempre me interessou.
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