28 de fevereiro de 2019

Estatística sob a forma de poesia

Contributo para as Estatísticas

Em cem pessoas,
sabedoras de tudo melhor -
cinquenta e duas;

inseguras a cada passo -
quase todo o resto;

prontas para ajudar,
desde que não demore muito -
quarenta e nove;

sempre boas,
porque não conseguem de outra forma -
quatro, talvez cinco;

dispostas a admirar sem inveja -
dezoito;

constantemente receosas
de algo ou alguém -
setenta e sete;

aptas para a felicidade -
vinte e tal, quando muito;

Individualmente inofensivas,
em grupo ameaçadoras -
mais de metade, com certeza;

cruéis,
por força das circunstâncias -
é melhor não sabê-lo,
nem aproximadamente;

com trancas na porta depois da casa roubada -
quase tantas como
aquelas que as têm, antes da casa roubada;

não levando nada da vida a não ser coisas -
quarenta,
embora preferisse estar enganada;

agachadas, doloridas,
e sem lanterna no escuro -
oitenta e três,
mais tarde ou mais cedo;

dignas de compaixão -
noventa e nove;

mortais -
cem em cem.
Número, até agora, não sujeito a alterações.

Wislawa Szymborska, Instante

26 de fevereiro de 2019

Comunidade, de Ann Patchett

E como é que duas famílias se fundem numa só e daí passam a resultar três? Eu explico. Há um casal com dois filhos e um casal com quatro filhos. A mulher de um dos casais e o marido do outro apaixonam-se e juntam-se. E cada um dos dois restantes refazem também as suas vidas. Não, não é um romance de cordel. É a história de indívíduos e famílias que se criam narrada ao longo de cinco décadas, com todas as alegrias e tristezas que em 50 anos podem acontecer.

E, um dia, todos são confrontados com a sua própria história, quando a mais nova de todo este clã se apaixona por um escritor de renome que se inspira na trama para lançar um sucesso de vendas que acaba por se transformar em filme. Assistimos a diálogos e cenas entre jovens casais, entre octogenários e entre cinquentões, falando de vidas que se cruzam e que felizmente para nós, leitores, acabam por ser esmiuçadas.

25 de fevereiro de 2019

The miraculous journey

Conjunto de quatorze estátuas monumentais em bronze da autoria de Damien Hirst no exterior do hospital Sidra Medical Centre dedicado à saúde materno-infantil em Doha, no Qatar. Representando a gestação de um feto no útero, da conceção ao nascimento, são uma pedrada no charco num país ainda tão conservador.




 

22 de fevereiro de 2019

A mulher, de Björn Runge

Joseph Castleman (Jonathan Pryce) é um escritor consagrado, que na casa dos 70 anos atinge o auge da sua carreira com a atribuição do Nobel da Literatura. Mas na sombra vive a sua mulher de há 40 anos, Joan (Glen Close), que conheceu quando era seu professor numa cadeira de literatura. Joan sempre foi muito boa a escrever, desenvolvendo uma técnica narrativa inovadora, mas, graças à sua condição de mulher, depressa foi colocada de lado para dar apoio à escrita do marido, a quem não faltavam boas ideias.

Com a atribuição do Nobel, e espicaçada por um jornalista abelhudo que desconfia que o talento de Joseph não é só dele, Joan começa a refletir no que foi a sua vida, sempre muito elogiada e reconhecida pelo marido mas constantemente posta de parte e traída diversas vezes.

A completar o ambiente de muita tensão em que decorre todo o filme está um dos filhos de ambos, aspirante a escritor mas que sabe que o pai nunca o encarará a sério como tal.

Em Estocolmo, a bomba acaba por rebentar, embora na esfera privada e com consequências totalmente inesperadas. Um filme duro, muito centrado na relação do casal e com um ambiente gélido de quebrar apenas com um lança-chamas. Não se lhe fica indiferente.

Glen Close está nomeada para melhor atriz nos Óscares, e acho que até o pode merecer, apesar de por agora a minha preferida ser Olivia Colman em A favorita.

21 de fevereiro de 2019

Árvore Europeia do Ano 2019

Vamos votar na Árvore Europeia do Ano 2019? A azinheira do Monte Barbeiro, perto de Mértola, tem mais de 150 anos e é um ex-libris da paisagem alentejana. Está na corrida final com mais 14 árvores, todas com algo de especial. Mas a nossa merece!


Até dia 28 de fevereiro cada pessoa deve votar em 2 árvores, sendo que convém fazê-lo de forma estratégica, uma vez que neste momento a nossa está em terceiro lugar. As votações devem ser feitas aqui: https://www.treeoftheyear.org/home.

19 de fevereiro de 2019

4 coisas que fazem os book lovers sentirem-se (levemente) culpados

(Retirado do blogue literário da Wook.)
#1 – O drama da mesinha de cabeceira
A depressão Helena passa ali, todos os dias. Felizmente, é aquilo a que se chama um «caos organizado». Nós encontramos sempre o que queremos. 
#2 – Comprar mais livros
Nós os leitores somos, regra geral, uns otimistas. Só isso explica o facto de termos dezenas de livros por ler e termos comprado mais quatro. Ontem.



#3 – Não comprar um livro há muito tempo
Parece um contrassenso. Ora nos sentimos culpados porque compramos e não vamos ler já, ora nos sentimos culpados porque saiu uma novidade e ainda não a temos.
#4 – Inventar uma desculpa para não emprestar um livro
Quem nunca? Diz-nos a vida e a experiência que há duas coisas que jamais voltam na vida: o tempo e o livro emprestado.
#5 – Estar tão absorvido num livro que nos esquecemos da vida real
Perdemos o autocarro, esquecemo-nos da hora de jantar, não conseguimos adormecer antes de terminar aquele capítulo.
#6 – Recusar ver o filme depois de ler o livro
A probabilidade de ser melhor que o livro é de 0,00003%. Cientificamente comprovado.
#7 – Julgar um livro pela capa
Às vezes (muito raramente), também nos enganamos. Admitimos que há livros bons com capas más. Por exemplo, alguns títulos da Jane Austen ou do Neil Gaiman.
#8 – Assumir que um livro pode ensinar qualquer coisa
Inclusive como fazer amigos. Mesmo que a nossa vida social seja inexistente.
#9 – O problema da mala de férias
Vamos uma semana, mas levamos 12 livros.
#10 – Não compreender como se pode ir para a praia sem um livro
Honestamente, como é que as pessoas se entretêm?
#11 – Fazer julgamentos sobre alguém com base nos livros que tem em casa
E ficar incrédulo quando percebemos que não tem nenhum. Nem mesmo O Principezinho.
#12 – Exercício físico?
É claro que fazemos! 


 

#13 – Sentir ciúmes de outro leitor
Ele já leu Proust, Dostoievski, Tolstoi, toda a obra do Saramago e eu não? 
#14 – Não importa o que diz o extrato bancário...
Uma boa promoção nunca se perde.

18 de fevereiro de 2019

Bohemian Phapsody, de Bryan Singer

Quando fui ver este filme ia com uma enorme expectativa, pela banda de que se tratava e pelos trailers que tinha visto. E na verdade o filme é bastante impactante, retratando toda a fase entre a formação da banda em 1970 e o festival Live Aid, em 1985.

Baseado em filmagens documentais e nos relatos dos elementos vivos dos Queen, retrata um Freddy Mercury devasso e excêntrico, como ele era na realidade, pecando talvez às vezes por defeito (a cena em que numa festa a cocaína é distribuída em cima da cabeça de anões será apenas uma amostra das extravagâncias que se viveram). Mas há muitos factos históricos que estão deturpados, o que é de supreender devido às fontes em que o filme foi baseado. Menciono apenas dois: Mercury não foi o primeiro a criar uma cisão na banda quando quis lançar um álbum a solo, pois antes dele já Roger Taylor havia lançado dois; e a situação de Mercury como doente de sida não foi conhecida logo antes do Live Aid, em 1985, mas bem mais tarde,em 1987, quando o contou aos seus companheiros. Mas desta maneira a atuação no concerto torna-se mais dramática.

Quanto a Rami Malek, que interpreta o papel de Freddy Mercury, imita-o muito bem, com todos os seus tiques e manias. Mas a meu ver tratou-se apenas de uma imitação perfeita, pois não me consegui distanciar de que estava a ver alguém a esforçar-se por ser outro. Faltou a interpretação, e talvez a primeira escolha que depois não foi avante tivesse sido mais convincente (Sacha Baron Cohen).

O filme está nomeado para cinco Óscares, entre os quais o de melhor filme e o de melhor ator, mas espero sinceramente que este último vá para outra pessoa.

15 de fevereiro de 2019

A favorita, de Yorgos Lanthimos

Este filme é uma verdadeira tragédia grega, ou não fosse o seu realizador o grego Yorgos Lanthimos. A história passa-se na Inglaterra do século XVIII, governada pela rainha Anne (Olivia Colman) que na verdade não tem poder sobre nada. Quem na verdade toma todas as decisões estratégicas do país, da corte e domésticas é Lady Sarah Marlborough (Rachel Weisz), sua conselheira e amante.

Anne é uma mulher solitária, infeliz, doente e deformada, numa degradação galopante apesar de ainda parecer relativamente nova. Com a chegada de Abigail (Emma Stone), uma aristrocrata falida admitida no início como criada, as relações de poder começam a mudar, e Anne ganha uma nova amante que aparentemente não lhe exige tanto como a outra, mantendo no entanto as duas.

O filme é muito tenso, na relação entre as duas acompanhantes mas também no sofrimento interno da própria rainha, em cenas de gerar verdadeira piedade. Não se pense que se vai ver um filme de época, mas um filme sobre um triângulo amoroso muitíssimo desequilibrado.

A favorita é um filme com 10 nomeações para os Óscares, entre as quais as de melhor filme, melhor atriz principal e melhores atrizes secundárias. Olivia Colman merecê-lo-ia bem.

14 de fevereiro de 2019

No Dia dos Namorados, algo sobre o namoro

Algo que é para ser levado muito a sério, porque começa muito cedo e deixa marcas graves para a vida, quando essas marcas deviam ser apenas recordações felizes.

13 de fevereiro de 2019

Ser bebé é belo

Nem todos os animais são bonitos, ou mesmo queridos ou engraçados, mas a verdade é que em bebés quase nenhum são feios. Estes são apenas alguns exemplos de como (quase) todos os bebés são irresistíveis.

Orinitorrincos.
Ouriços-cacheiros.
Raposa-do-deserto.
Suricatas.
Papa-formigas gigante.
Polvo.
Tapir.
Tatu.
Preguiça.

12 de fevereiro de 2019

11 de fevereiro de 2019

A zona de interesse, de Martin Amis

A Zona de Interesse era, em Auschwitz-Birkenau, o local onde se fazia a triagem entre os recém-chegados que sobreviveriam durante mais uns tempos, a trabalhar, e os que seriam de imediato encaminhados para os «duches» das câmaras de gás.

Com o tempo de ação em 1942, antes dos gaseamentos em massa e quando os corpos das vítimas ainda eram queimados a céu aberto, é narrado por três personagens, todas masculinas: Angelus Thomsen, um oficial das SS sobrinho de um alto funcionário do III Reich, Paul Doll, comandante do campo, secretamente ridicularizado por muitos, e Szmul, um judeu que chefia uma equipa de prisioneiros encarregada dos mortos e que assim vai sobrevivendo mais tempo do que o habitual.

As vidas dos três cruzam-se de várias maneiras, e não apenas de modo hierárquico. Thomsen vive obcecado pela mulher de Doll, sem no entanto poder concretizar nada; Doll despreza a mulher ao ponto de «encomendar» o seu assassínio; Szmul vai deambulando pela narrativa até ser diretamente contratado por Doll. Pelo meio, vamos assistindo aos jogos de poder, ao modo como cada um olha para a operação de extermínio e, de modo indireto, aos dramas de quem desembarca naquele destino.

Um livro interessante mas por vezes um pouco confuso, para o que não contribui haver muitos termos em alemão, não traduzidos.

8 de fevereiro de 2019

Zé Pedro a olhar o céu

É um Airbus A321neo que levará Zé Pedro, dos Xutos & Pontapés, a olhar para sempre o céu. O batismo do novo avião da TAP foi de manhã e o primeiro voo é já hoje, para Paris.

Fotografia: Rádio Comercial.
Fotografia: TAP.

6 de fevereiro de 2019

Correio de droga, de Clint Eastwood

Nas últimas duas semanas «condenei-me» a ver filmes em que a maior parte do tempo se passa dentro de um carro a percorrer paisagens norte-americanas, com o denominador comum de serem ambos muito bons (Green Book e este Correio de droga).

Realizado e protagonizado por Clint Eastwood, é a história de um velho floricultor que, falido, decide aceitar a tarefa de fazer entregas de mercadoria entre cidades americanas. A chegar aos 90 anos, branco e de ar humilde, é o último suspeito a traficar droga, coisa que o próprio não sabe que está a fazer nas primeiras viagens.

Com as somas astronómicas que vai acumulando, tenta conquistar a família que pôs de lado durante a maior parte da sua vida, totalmente dedicada à atividade profissional que lhe granjeava o respeito e a adoração de terceiros.

Ao conduzir descontraidamente a sua pick-up , cantarolando e parando quando lhe apetece, Earl está fora de suspeita pela inconstância dos seus movimentos. Até que o cartel mexicano para o qual trabalha lhe exige o cumprimento de regras e a descontração deixa de existir.

É mais um excelente filme de Clint Eastwood, que aos 88 anos continua a proporcionar-nos bons momentos de cinema. O que dizer mais?

5 de fevereiro de 2019

Photo Ark, da National Geographic

Ainda não fui ver, mas tenho a certeza de que não me vai desiludir esta exposição da National Geographic que está na Cordoaria, em Lisboa. As fotografias retratam espécies em vias de extinção e foram captadas por Joel Sartore, estando todos os animais em cativeiro. E ainda serviram de pretexto para um passatempo em que os visitantes interagem com as imagens, gerando momentos maravilhosos como os que replico abaixo.

Quero tanto visitar o Photo Ark que escolhi a exposição para ser a primeira da vida da Luísa e de Maria.



4 de fevereiro de 2019

Esclavos del trabajo, de Daria Bogdanska

Esta deve ser a primeira vez que dou uma pontuação tão baixa a uma novela gráfica. Por um lado, não gostei muito dos desenhos (mas aqui a culpa é minha, pois tive oportunidade de folhear o livro antes de o comprar). Por outro, achei a história interessante mas demasiado aborrecida.

Basicamente, é a experiência de uma imigrante polaca em Malmö, na Suécia, que para ali vai para estudar Artes mas que tem de ganhar a vida a trabalhar num restaurante indiano. E este é o cerne da história: o problema de centenas de imigrantes que não conseguem autorizações de residência e que por isso só conseguem empregos precários, mal pagos e com horários sobrecarregados. A narrativa é a da luta de Daria para, com a ajuda de um sindicato, fazer valer os seus direitos enredada numa teia em que para ter um emprego decente tem de estar legalizada, e em que para estar legalizada tem de ter um emprego decente.

Uma história interessante mas demasiado arrastada.