30 de setembro de 2011

Paranoia

Chego ao edifício e ativo o comando do portão da garagem. Enquanto espero que abra, os faróis do jipe vão iluminando uma área cada vez maior, que varro com o olhar à procura de qualquer pequena sombra em movimento. Entro e percorro os 20 ou 30 metros até ao meu lugar com a mesma atenção. Saio. Caminho em direção à zona do átrio das escadas sempre a fazer barulho com os pés. Quando lá chego, atiro com a porta à espera do que de lá poderá sair. Subo as escadas, dois lances em que o vértice de cada degrau pode ser um pequeno esconderijo. Chego ao patamar do meu piso, passo pelo sensor para as luzes se ligarem todas. Meto a chave na porta, abro-a devagar, as gatas esperam-me. Observo-as, tento detetar alguma reação diferente. Fecho a porta e faço a ronda à casa. Nada. Respiro fundo. Uff.

É com esta atitude paranoica que ando há 3 dias, quando soube que um vizinho encontrou um rato na cozinha, vindo (espero) do pátio dele e não de uma qualquer ventilação. Mas se há no dele também pode haver no meu. E pode entrar em casa. E as gatas podem não lhe ligar nenhuma. E pode esconder-se e aparecer-me durante a noite. E...

Adoro bicharada, não tenho medo de aranhas, cobras ou gafanhotos, mas estas criaturas tiram-me do sério de um modo irracional. E só vou descansar quando a Rentokil cá vier e eu vir caixas ratoeiras espalhadas por tudo quanto é lado.

28 de setembro de 2011

O complexo de Portnoy, de Philip Roth

Eu não queria ter de ler uma cena em que uma prostituta defeca em cima de uma mesa de vidro enquanto o cliente se masturba na parte de baixo. Ou outra em que um homem se masturba em frente ao espelho e apanha com o esperma na cara. Ou outras ainda com masturbação com recurso a maçãs ou pedaços de fígado. Na verdade, fiquei cansada de ler a palavra «masturbação», «putz» (pila, em hebraico) ou «c**a» (desculpem-me, mas esta nem consigo escrever).

Em O complexo de Portnoy, Philip Roth apresenta-nos Alexander Portnoy na primeira pessoa, em sessões com um psiquiatra. Fala sobre a superproteção e autoridade da mãe, sobre os problemas de prisão de ventre do pai e da sua obsessão pelo sexo, em conflito permanente com a religião e com os princípios segundo os quais foi educado. É um ser ao mesmo tempo psicologicamente doente mas também frágil, de quem temos pena pela ansiedade em que vive.

Bem sei que um bom livro é muitas vezes aquele que causa reações, e este causou-me acima de tudo repulsa em muitas passagens (apesar de por todo o lado ser classificado como um livro extremamente divertido*). E talvez este seja de facto um bom livro. Mas eu não gostei e não o recomendaria a ninguém. E ainda bem que não foi o primeiro livro de Philip Roth que li, porque se fosse não sei se lhe daria uma segunda oportunidade.

* Este é outro ponto a explorar: é o segundo livro que leio com um «judeu» como personagem principal que a crítica classifica como divertidíssimo (o outro foi A questão Finkler, sobre um homem que aspirava a ser judeu), pela forma como ridiculariza alguns aspetos da cultura judaica, e a que eu não acho graça nenhuma. O meu sentido de humor deve andar desregulado.

26 de setembro de 2011

E se pudéssemos escolher como a Câmara gasta o dinheiro? E não é que podemos!?

Sim, dos 100 milhões de euros orçamentados pela Câmara Municipal de Lisboa para o próximo ano, 5% serão gastos em projetos apresentados pelos cidadãos. Para o Orçamento Participativo de 2012 foram feitas mais de 800 propostas e mais de 200 foram aprovadas e estão agora sujeitas a votação.

Da criação de parques infantis ao aumento das pistas cicláveis, da instalação de piscinas flutuantes no Tejo à construção de passadeiras acessíveis, quem escolhe como se gastarão 5 milhões de euros somos nós, os cidadãos. E é tão simples: basta o registo na página do Orçamento Participativo, a consulta dos projetos em votação e depois a escolha de um deles. Classificados por freguesias e por tipo de intervenção (cultura, reabilitação urbana, habitação, espaços verdes, transportes, segurança, escolas e espaços desportivos), a consulta é simples e de certeza que há pelo menos 3 ou 4 que interessam a qualquer um.

Eu já votei mas até ao momento apenas cerca de 11 mil pessoas votaram... Vamos participar? É que a votação termina já no dia 30 de setembro.

25 de setembro de 2011

Simplesmente genial

O que posso dizer acerca deste artista brasileiro que a partir do quase nada consegue fazer mais do que tudo?

Quadros em que os desenhos são feitos de linha de costura, de arame ou de terra, figuras compostas a partir de geleia, açúcar, chocolate ou manteiga de amendoim, a partir de brinquedos, lixo ou sucata, a partir de caviar ou diamantes, desenhos feitos na terra por retroescavadoras que só se veem a partir do céu, nuvens desenhadas no céu para ver a partir de terra.

A exposição de Vik Muniz, patente na Fundação Berardo até 31 de dezembro, é uma surpresa a cada passo, a cada coleção que se descobre, pensando como é possível fazer sempre diferente e mais surpreendente.

O que posso dizer? Genial.

Mona Lisa, composição com geleia e manteiga de amendoim, 1999.
Apple Trees, after Gerhard Richter, composição com linha de costura, 1994.
Dallas Mill, Huntsville: 1910, after Lewis Hine, composição com pedaços de papel recortado,  2008.
Key, composição feita por retroescavadora, 2002.
Paparazzi, composição com calda de chocolate, 1997.
Jacynthe Loves Orange Juice, composição com açúcar branco sobre fundo preto, 1996.
Manhattan II, nuvem desenhada no céu por avião, 2001. 
Toy Soldier, composição com soldadinhos de brincar, 2003.

22 de setembro de 2011

As coisas que me passam ao lado...

... mas que quando descubro não posso deixar de pôr em causa. Este mail, enviado para a Presidência da República por uma (para mim) anónima, transmite exatamente o que penso e eu não o escreveria melhor:

Para: belem@presidencia.pt, pm@pm.gov.pt, gab.mf@mf.gov.pt, gabpar@ar.parlamento.pt, gp_ps@ps.parlamento.pt, gp_psd@psd.parlamento.pt, gp_pp@pp.parlamento.pt, bloco.esquerda@be.parlamento.pt, gp_pcp@pcp.parlamento.pt, PEV.correio@pev.parlamento.pt

Exmo. Sr. Presidente da República, Dr. Aníbal Cavaco Silva,

O meu nome é Catarina Patrício, sou licenciada em Pintura pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, fiz Mestrado em Antropologia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sou doutorada em Ciências da Comunicação também pela FCSH-UNL, projecto de investigação "Dissuasão Visual: Arte, Cinema, Cronopolítica e Guerra em Directo" distinguido com uma bolsa de doutoramento individual da Fundação para a Ciência e Tecnologia. A convite do meu orientador, lecciono uma cadeira numa Universidade. Tenho 30 anos.

Não sinto qualquer orgulho na selecção de futebol nacional. Não fiquei tão pouco impressionada... O futebol é o actual opium do povo que a política subrepticiamente procura sempre exponenciar. A atribuição da condecoração de Cavaleiro da Ordem do Infante Dom Henrique a jogadores de futebol nada tem que ver com "a visão de mundo" (weltanschauung) que Aquele português tinha. A conquista do povo português não é no relvado. Sinto orgulho no meu percurso, tenho trabalhado muito e só agora vejo alguns resultados. Como é que acha que me sinto quando vejo condecorado um jogador de futebol? Depois de tanto trabalho e investimento financeiro em estudos?!!
Absolutamente indignada.

Sinto orgulho em muitos dos professores que tive, tanto no ensino secundário como no superior. Sinto orgulho em tantos pensadores e teóricos portugueses que Vossa Excelência deveria condecorar. Essas pessoas sim são brilhantes, são um bom exemplo para o país... fizeram-me e ainda fazem querer ser sempre melhor. Tenho orgulho nos meus jovens colegas de doutoramento pela sua persistência nos estudos, um caminho tortuoso cujos resultados jamais são imediatos, isto numa contemporaneidade que sublinha a imediaticidade. Tenho orgulho até em muitos dos meus alunos, que trabalham durante o dia e com afinco estudam à noite...

São tantos os portugueses a condecorar...

E o Senhor Presidente da República condecorou com a distinção de Cavaleiro da Ordem do Infante Dom Henrique jogadores de futebol... e que alcançaram o segundo lugar... que exemplo são para a nação? Carros de luxo, vidas repletas de vaidades... que exemplo são?!

Apresento-lhe os meus melhores cumprimentos,

Catarina

Esta fotografia, então, deixa-me extremamente envergonhada. E ao mesmo tempo contente por nunca ter votado neste senhor que, mesmo com a sua dita vontade de «representar todos os Portugueses», as minhas ideias e ideiais não representa.

19 de setembro de 2011

Man and boy, de Tony Parsons


Não é uma obra-prima, mas é sem dúvida uma boa quebra para ler «entre livros mais pesados ou mais intrincados». Comprei-o numa livraria em Edimburgo sobretudo porque gostei da capa e porque estou a tentar cada vez ler mais em inglês para desenvolver o vocabulário (não, não sou uma purista das versões originais, o objetivo é mesmo muito prático).

Harry Silver é casado, tem um filho, um emprego de sucesso e está prestes a fazer 30 anos. Mas em poucos dias, depois de um caso de uma noite, deita tudo a perder. A partir daqui desenrola-se a adaptação à solidão, a aprendizagem da paternalidade e a consciencialização de que nada pode voltar atrás. Como disse, não é uma obra-prima, mas é interessante conhecer a perspetiva masculina do fim de um casamento e da tentativa de (re)construção do conceito de família.

Nota: Man and boy, de Tony Parsons, é mesmo um excelente livro para começar a ler em inglês, raramente tropecei em palavras e expressões e por isso já encomendei os dois volumes que constituem a sequela. Para ler entre livros.

17 de setembro de 2011

Estas mascotes mereciam melhor

Ou eu ia com expectativas muito elevadas ou a exposição Japão, o paraíso das mascotes no está mesmo fraquinha... Com tantas críticas positivas e anúncios na Time Out, pensava chegar ao Museu do Oriente e encontrar um mundo de mascotes cheio de bonecada, animação, luz, som, fantasia... Mas não foi nada disso que encontrei. À entrada, a simulação de um quarto de teenager fã da Hello Kitty (nada de especial tendo em conta tantos quartos reais que conheço...). Depois, uma sala não muito grande com 3 ou 4 mascotes em 3D mas nada cativantes e uma série de cartazes referindo as mascotes japonesas surgidas em cada década. E uma terceira área, um pouco na penumbra, com fotografias de grande formato de pessoas usando mascotes no seu dia a dia.

A nível dos conteúdos não está mau, de facto aprendi alguma coisa acerca do porquê de certos bonecos se tornarem mascotes, tendo em conta as conjunturas e as épocas. Mas o que se espera de uma exposição sobre mascotes? Imagens, bonecos, ruído visual e auditivo. Não, isso não estava lá. E quando se visita uma exposição destas e nem as crianças que por lá andam mostram entusiasmo... algo falhou.

Como a exposição termina já amanhã, fica aqui o essencial:





14 de setembro de 2011

Verdade de hoje

«I wasn't surprised. I had spent so long being terrified that finally having my worst fears realised brought a kind of bleak relief. (...) In a way I was glad it happened, because now I didn't have to worry about when it was going to happen.»
Man and boy, Tony Parsons

13 de setembro de 2011

La Coca, de José Rentes de Carvalho


Continuo a perguntar-me: como é que este senhor escrevia há 40 anos, publicando e sendo seguido na Holanda e, até há cerca de 2 anos, era um quase completo desconhecido em Portugal? Mais um livro que devorei de J. Rentes de Carvalho, um paralelo entre o contrabando praticado durante a sua infância na zona raiana minhota – à base de tabaco e bebidas alcoólicas – e o «contrabando» bem mais lucrativo mas também bem mais nocivo que se pratica nos dias de hoje – o das drogas pesadas. Em La Coca, mais uma vez encontrei uma linguagem limpa, numa viagem ao Portugal profundo e de outros tempos.

Vantagem: que bom é descobrir um «novo» autor com mais de 80 anos e saber que ainda há tanto dele para ler...

11 de setembro de 2011

9/11 Memorial: A presença da ausência


É hoje que inaugura o 9/11 Memorial, 10 anos depois do ataque terrorista ao World Trade Center e ao Pentágono que matou cerca de 3 mil pessoas. De um total de mais de 5 mil projetos a concurso, ganhou o do ateliê de Michael Arad. Pelo que li, e pelo que vi, é uma obra grandiosa: dois enormes tanques situados no preciso local onde se encontravam as torres, de onde a água escoa em cascata para outros dois tanques centrais, dos quais não se vê o fundo. Segundo quem já lá esteve, é uma obra onde se sente a presença da ausência.


Acho particularmente comovente (e um trabalho de pesquisa extraordinário) que os nomes das vítimas, gravados em placas de bronze à volta dos tanques, não se encontrem organizados por ordem alfabética, mas antes de um modo que reflete as suas vidas: as relações com outras vítimas, as empresas em que trabalhavam, o local onde se encontravam no momento do ataque; perto, portanto, das pessoas que mais lhes diziam.

10 de setembro de 2011

Surpresa!

Mal sabia eu que hoje de manhã, ao emprestar o jipe ao meu irmão para ir ajudar um amigo a transportar um armário, ele estava feito com o meu pai para irem à Decathlon buscar esta maravilha:















Depois do roubo de há duas semanas, muito muito em breve vou eu comprar isto, «concebido para proteger a bicicleta quando ela se encontra muito exposta ao roubo»:










E a partir de agora, em vez de olhar para os ciclistas que passam com nostalgia, vou olhá-los cheia de vontade de me juntar a eles. Isto, claro, depois de recuperar da hérnia cervical que me estragou metade das férias...

Obrigada, Papá, pela surpresa. E obrigada, maninho, por teres alinhado e por terem combinado tudo tão bem.

1 de setembro de 2011

Alfama como eu gosto

E quem é que já passeou por Alfama em noite escura, sem santos e sem qualquer luminosidade para além da de uma lua envergonhada? É, garanto, uma experiência.

Fotografia de Jorge Tam.

A união faz a força

Por serem «quando o povo quer», as Festas do Povo de Campo Maior não têm periodicidade certa. Supostamente seriam de 4 em 4 anos, desta vez passaram 7 desde a última edição. Que me lembre, devo ter ido a quase todas. Primeiro, porque é uma vila que me diz muito, onde tanto a minha mãe como o meu pai viveram quando tiveram de fazer os estágios. Segundo, porque é de facto fantástico o que se consegue fazer com simples folhas de papel de seda. Flores, animais, por vezes simples coberturas de ruas que nesta época, apesar de agosto, se tornam mais frescas.

Muitas memórias tenho das idas às Festas do Povo, com os meus pais e irmãos. Passeios por ruas coloridas e com pouca gente, no tempo em que a viagem até lá não era tão fácil nem tão rápida quanto agora. Nos últimos anos, muito mudou: as rulotes de pregos e farturas multiplicaram-se, no ar ouve-se a rádio local a fazer reportagens de rua, o número de visitantes deve ter triplicado. Mas o encanto continua lá, fruto de meses de trabalho em que toda a população se empenha com uma alegria e um engenho de que só os alentejanos são capazes.