Neste, encontramos um bocadinho do MEC de antigamente, nomeadamente quando fala de Portugal (que, sublinha, adora), mas está lá muito, muito mais. Um lado muito autobiográfico, nas crónicas sobre a doença da mulher, mas também reflexões muito curiosas, como a noção que temos da passagem do tempo, a escolha de um bom peixe, os amigos que estão sempre lá mesmo quando não os vemos durante anos...
É daqueles livros que lemos e que logo nas primeiras páginas nos apetece pegar num lápis para anotar certas passagens. Olhem estas:
Ocupar o passado — que é a única coisa que realmente temos— com o passado (a memória e o esquecimento) ou com o futuro (o medo, ansiedade, ambição, esperança, ignorância e esquecimento) é mesmo perder tempo.
Lembrar ou antecipar é roubar presentes ao presente. Em vez de oferecer presentes ao presente — a começar por um simples obrigado por estar aqui, nem morto nem con com vontade de morrer —, criamos-lhe dívidas, por não ser tão bom como certos passados ou incertos futuros que se imaginam.
Da crónica «É hoje»
É um grande pecado não ver as pessoas que são visíveis. As pessoas que lavam as casas de banho; que pintam os muros da praia; que limpam as ruas. Ou os velhos e as criancinhas que passam por nós.
São as pessoas invisíveis, a quem não falamos, que são o anjo Elias entre nós, os outros eus de Lévinas; os convidados inesperados que, se dermos por eles e nos lembrarmos deles, hão de ajudar a salvar as nossas pobres e comprometidas almas.
Da crónica «Eis os invisíveis»
As pessoas que dizem que o tempo cura tudo sabem que não é assim tão fácil. Sabem que o tempo não é apenas distância. Sabem que o tempo, quando se junta a um grande amor, faz outra cois: aproxima. E é essa aproximação que transforma a dor da ausência na companhia eterna da saudade. (...)
Foi assim que voltou o meu pai depois de ter morrido— e nunca mais se foi embora; nunca mais saiu de mim. Fez-se pagar, é verdade. Custou mas trouxe-o. E, a partir desse momento, nunca mais cobrou nada senão as taxas e os emolumentos normais de qualquer grande saudade.
Da crónica «O tempo que nos aproxima»
O gato é neurótico mas brinca. Brinca com seriedade, mas brinca. Tem acessos, muito curtos, de loucura, em que se embandeira em saltinhos oblíquos. Mas, acima de tudo, descobriu o sistema binário da existência.
Que é: dormir faz fome. Comer faz sono. Acordo por que tenho fome. Adormeço porque comi. Nos intervalos, faço as necessidades. Podem ser secundárias (cagar, amar, mijar, brincar, ansiar), mas são verdadeiramente necessárias.
Se não tem sono,. é porque tem fome. Se não tem fome, é porque tem sono. Se não tem uma coisa ou outra, é porque tem de fazer as necessidades.
É ou não é uma lição de vida?
Sim, é.
Da crónica «Ensinam os gatos»
Nota importante: Este tópico só contém um palavrão no título porque é o nome do livro. Porque eu nunca digo palavrões...
4 comentários:
Ainda o estou a ler. Acho que ele tem uma grande pancada mas é brilhante!
Já li e é, de facto, um livro muito interessante, que mostra um MEC mais maduro, fruto das suas experiências de vida, algumas nada fáceis.
ADORO este Senhor, desde a minha adolescência. Tenho uma capa A4 cheia de micas onde guardei as crónicas que ele escrevia para o jornal Independente. Fui acompanhando o que ia publicando, mas sim agora está um homem mais maduro que já levou alguma 'pancada' dada pela vida!
Tudo verdade. E o facto é que lá pelo meio de alguns delírios vai dizendo muitas, muitas coisas certas...
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