A análise de Nicolau Santos acerca da tomada de posse do novo governo. Diz tudo o que penso e ainda aquilo que não me tinha passado pela cabeça.
«António Costa disse que era tempo de sarar as feridas. Mas Cavaco Silva não quer. Insiste em deitar-lhes sal. O Presidente da República termina o seu segundo mandato de forma penosa.
Dez anos como primeiro-ministro e outros dez como o inquilino de Belém deveriam garantir a Cavaco Silva um lugar destacado na História de Portugal. Mas se são as últimas impressões que ficam, então o economista que um dia arrebatou a liderança do PSD e a seguir deitou abaixo o governo de coligação que o seu partido integrava porque queria chegar ao poder, vai deixar uma péssima imagem – de político vencido mas não convencido, rancoroso, ressabiado, vingativo, ameaçador, parcial, sem grandeza, obcecado pelo julgamento que dele fará a História.
A azia é tanta que lhe tolda inclusive as suas indiscutíveis capacidades de economista. E isso deveria levá-lo a constatar que, em primeiro lugar, o XXI Governo Constitucional vai ter em 2016, com grande probabilidade, uma conjuntura externa favorável: manutenção de juros a um nível muito baixo, euro desvalorizado em relação ao dólar, preço de petróleo a pouco mais de 60 dólares, assinalável crescimento da economia espanhola, para onde vão um quarto das exportações nacionais.
Junte-se a isto aquilo que Cavaco, apesar das suas enormes dúvidas, deveria reconhecer: o que o PS se propõe é continuar a cumprir a consolidação orçamental, embora a um ritmo mais lento que o da coligação. Isso dará margem ao Governo para repor salários e pensões, enquanto a aceleração do crescimento económico vai não só melhorar as receitas fiscais como o peso da dívida pública em percentagem do PIB. Além do mais, o que se dá com uma mão será compensado por medidas que estavam previstas no programa do PS mas que já não serão aplicadas. Finalmente, o Presidente sabe seguramente que há um novo ar que se respira na Europa e que vai no sentido de uma interpretação mais flexível do Tratado Orçamental, com a possibilidade de algumas despesas deixarem de contar para o défice.
Há riscos? Claro que há. Estar vivo é um risco que só pode acabar mal. Mas esperar que aconteça um cataclismo nos próximos dois meses, tempo que o Presidente ainda terá no cargo, que lhe possibilite encontrar razões para demitir o primeiro-ministro e deixar o país com um governo de funções, só é possível a quem tem o pensamento completamente obnubilado pelo ódio e pela raiva à solução governativa que deu origem ao XXI Governo Constitucional – e que seguramente não foi uma surpresa para Cavaco Silva, ele que disse várias vezes que tinha previsto todos os cenários.
A partir do final de janeiro, Cavaco deixa Belém e encerra a sua longuíssima carreira política, ele que sempre tentou demonstrar que não era um político como os outros. Pois bem: vai-se embora, já vai demasiado tarde e não vai deixar saudades. Adeus.»
E que dia 24 de janeiro chegue depressa.
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