É tão bom, ainda hoje poder ler livros de «novos» de José Saramago. Este, escrito em 1953, só foi publicado postumamente, apesar de com a autorização do escritor, que a propósito do mesmo disse: «Acho que o livro não está mal construído. Enfim, é um livro também ingénuo, mas que, tanto quanto me recordo, tem coisas que já têm que ver com o meu modo de ser.»
O enredo é simples, uma fórmula que mais tarde foi usada por outros escritores: um prédio de 3 andares, com 6 apartamentos, cada um habitado por gente muito diferente, quase toda bastante humilde. Temos o sapateiro e a sua mulher, que têm de alugar um quarto para viverem mais folgados. As duas raparigas solteironas que vivem com a mãe e as tias. O casal que perdeu uma filha ainda criança com meningite. O casal luso-espanhol com um filho, que não se entende nem nunca se entenderá. A mulher «tida e mantida» que vive uma vida de ócio. E o casal com uma filha de 18 anos, pronta a experimentar às escondidas aquilo a que tem direito.
Tudo isto nos anos 50, numa Lisboa em que a vida ainda se fazia devagar, quando se ia almoçar a casa mas em que as raparigas podiam almejar no máximo a ser empregadas de escritório. Entramos bem no seu dia a dia e nos seus pensamentos, e Saramago consegue cruzar com muito verosimilhança as vidas de cada habitante.
Nesta altura, Saramago ainda usava a pontuação de que tanta gente sente falta, mas já tinha uma escrita fluida e rápida. E assim ficamos com um bom retrato social do Portugal urbano na época.
2 comentários:
Não consigo gostar da escrita dele mas admiro a sua garra em criticar, sei lá identifico-me
Hás de experimentar ler em voz alta. Ele escreve como quem fala. :)
(Neste livro ainda escrevia de forma «normal».)
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