27 de junho de 2010

Realidade e ficção

Este verdadeiro peixe-palhaço, fotografado por David Doubilet na Papua-Nova Guiné, não podia ser mais parecido com o meu querido Nemo. E com um olhar destes, o Nemo não podia ser nada menos do que um peixe curioso.

24 de junho de 2010

Sou intolerante para com a intolerância

Acabo de saber que o jornal 24 horas vai fechar. E, por conhecer lá algumas pessoas e estar preocupada com o seu futuro, andei pelo site do Público para tentar perceber o que se passa. Deparei com a secção dos comentários e não posso deixar de me insurgir com o facto de a grande maioria aplaudir o fecho do jornal. Comentários como «Até que enfim!», «Já é tarde!», «Haja alegria!», «Não é pena» ou «Finalmente!»…

Eu também não gosto nada do estilo do 24 horas. E, por isso, não o leio. Tal como não gosto de dobrada nem de telenovelas. E, por isso, não a como nem as vejo. E gosto ainda menos de pessoas intolerantes. E, por isso, evito-as.

É bom ter liberdade de escolha. E é pena saber que uma data de gente vai perder o emprego.

Quantas palavras cabem dentro de uma palavra?

Este era um jogo que eu costumava jogar com o meu pai, não me lembro muito bem com que idade, mas certamente numa altura em que já dominava bem a língua. Não era preciso nenhuma consola, nem nenhum computador, nem mesmo um tabuleiro ou peões. Só dois pedaços de papel e dois lápis. E nem era preciso grelhas certinhas como as usadas para jogar ao STOP. Nem mais do que dois jogadores. E as possibilidades eram ilimitadas.

O mecanismo era muito simples. Pensávamos numa palavra ou retirávamo-la de um qualquer jornal ou revista que estivesse ali à mão. De preferência, uma palavra que tivesse pelo menos 3 sílabas, para dar mais hipóteses. E depois, pegando apenas nas letras da palavra, tínhamos de listar o maior número de palavras de que nos lembrássemos num período de tempo limitado. Por exemplo:

CADEIRA (1 cê, 2 ás, 1 dê, 1 é, 1 i e 1 érre): ira, eira, dar, cada, ara, ria, der, dera, dica, cara, cera, cair, ar, ir, dera, dia, ida, rei…

Hoje já há uma série de aplicações online e no iPod com este jogo. Mas na altura não havia. E nós, mesmo assim, jogávamo-lo no mínimo todas as semanas. Hoje trabalho com letras e com palavras. E jogo-o no meu iPod.

23 de junho de 2010

True love

Uma imagem de uma beleza extrema. Um amor verdadeiro só separado pela morte.


Crédito: Diário de Notícias.

18 de junho de 2010

Apagou-se mais uma das minhas velas

Bem sei que grande parte dos blogues deste país devem ter hoje José Saramago como tema. Mas eu não seria eu se o meu também não o homenageasse.

Se há 2 semanas sofri com a morte de João Aguiar, hoje sofro com a morte de Saramago, mais um escritor que faz parte da minha vida e das minhas referências. E dou por mim a pensar que, dos meus escritores de eleição da literatura portuguesa, dos que me faziam mal dormir para ir comprar o último livro publicado, já nenhum está vivo: Vergílio Ferreira morreu a 01.03.96, João Aguiar a 03.06.10 e José Saramago a 18.06.10. Todos grandes escritores, todos grandes homens, todos seres humanos integrais.

De Saramago me ficam muitos livros fantásticos, de uma imaginação sem limites e sempre reflexo de um grande humanismo. Três autografados e tantos outros que nunca lhe vão passar pelas mãos.

Recordo um tópico que escrevi aqui no blogue sobre A viagem do elefante em Dezembro de 2008. Tópico em que dizia que se me formava «um nó na garganta e um aperto no peito só de imaginar que um dia poderá não haver mais elefantes a viajar pela minha imaginação».

Hoje é o dia.

17 de junho de 2010

Manifesto

Eu, Vespinha, me confesso: gosto de jogar Farmville.

Gosto de escolher o que vou semear, de esperar para ver as sementes a medrar, de comprar e vender animais da quinta, de fazer colheitas e tirar leite às vacas, de apreciar a perfeição de certas peças, frutos e legumes, de treinar os meus cães virtuais, de fertilizar os campos dos meus vizinhos, de lhes oferecer presentes e receber outros em troca. E também gosto de regar as minhas plantas verdadeiras, de lhes arrancar as ervas daninhas, de escovar, alimentar e mimar as minhas gatas de carne e osso. Mas também gosto do Farmville. E uma coisa não interfere com a outra.

So what?

16 de junho de 2010

Mudam-se os tempos...

Eu, que há 2 anos não podia ver estas sandálias à frente, agora estou apaixonada pelas minhas... Comecei a olhar para elas duas vezes, depois a achar piada às que tinham padrões, e depois às simplesmente coloridas. Estas são «peridot green», com brilho envernizado. E ficam o máximo depois de calçadas.

12 de junho de 2010

Roma - 7, Lisboa - 9

Já regressei há 3 semanas, mas precisei de algum tempo para me ajudar a combater o deslumbramento/desapontamento da minha viagem a Roma. Porque tenho a certeza de que se tivesse escrito logo teria sido muito mais mázinha.

Tinha estado em Roma há talvez uns 15 anos e não tinha gostado, julgava que pelo choque de ali aterrar vinda de Veneza e Florença. Por isso voltei, agora só a Roma e durante uma semana, para não haver termo de comparação.

Mas comparo-a, é inevitável. Com Lisboa.

As esplanadas: 1-0
Os romanos sabem tirar partido de qualquer cantinho ao ar livre. Qualquer bocado de passeio serve para estender uma esplanada, e se não houver passeio passa para a estrada.

A limpeza das ruas: 0-1
Beatas, papéis, sacos do lixo abertos, ausência de caixotes do lixo, Roma é uma cidade suja. Em pleno centro, andei mais de 15 minutos (o equivalente a cerca de 1 km) com um papel na mão até encontrar um caixote para o deitar.

Os gelados: 1-0
Geladarias por todo o lado, sabores escolhidos ao dedo (o de Baci é fenomenal) e preços que põem os senhores do Santini e da Häagen Dazs a um canto. Pagava por duas bolas generosas o que cá pago por uma mirradinha.

As igrejas: 1-0
Ainda não tive coragem de entrar numa igreja em Lisboa depois de voltar. Porque acho que me vou sentir muito pobrezinha.

O trânsito: 0-1
Em Roma é caótico, como já previa. Os peões atravessam onde calha e, surpreendentemente, conseguem sempre passar. As scooters parecem enxames (infelizmente, as Vespas já não dominam, foram ultrapassadas pelos modelos japoneses) e conseguem o respeito dos carros. É difícil encontrar carro ou mota sem riscos, amolgadelas ou para-choques presos por cordéis.

A comida: 1-1
Pizas, massas, risotto, mozarela, tomate… Quem disse que a comida italiana engorda? A verdade é que comi à grande, por pouco dinheiro, e voltei com o mesmo peso. E a verdade também é que em Roma não vi obesos.

A simpatia: 0-1
De um modo geral, os romanos pouco se importam com o próximo. Se nos cai uma coisa ou chão, se nos atrapalhamos com uma expressão... who cares? Mas há excepções. Como duas ou três pessoas que nos deram indicações sem lhes pedirmos e a família do restaurante Santi, não esfuziante mas com uma simpatia discreta que nos fazia sentir em casa.

A ladroagem: 0-1
Há muitos e ainda por cima são cobardes, porque os carteiristas «atacam» no metro e em hora de ponta. Ao meu pai quem roubou a carteira foi uma mulher, apesar de não o termos conseguido provar. Três dias depois voltámos a cruzar-nos com ela num autocarro.

As ruínas: 1-0
Roma bate todos os recordes, tudo é grandioso, tudo é enorme, tudo é esmagador. O coliseu, os fóruns, o teatro de Marcelo, os mercados de Trajano, as termas de Caracala.

O rio: 0-1
O Tibre atravessa toda a cidade, bem perto da zona central, mas a cor das suas águas (castanho, faça chuva ou faça sol) transmite tristeza e mostra que os romanos não lhe dão a importância e o valor que podiam dar.

O sossego: 0-1
Os turistas não deixam Roma em paz. Andam em bandos, em hordas, japoneses e não só. A Piazza Navona, a Fonte de Trevi e a Praça de Espanha, mal as consegui ver. Tive a sorte de levar boas dicas para explorar bairros e atracções menos concorridos.

O planeamento urbano: 0-1
Pareceu-me que em Roma não existe. Os carros andam e estacionam por onde calha, as scooters ainda mais. Os peões, esses, vão para a estrada ou por onde conseguirem passar. Os passeios são estreitos, sujos e esburacados.

As fontes: 1-0
São tantas, e tão grandiosas, que aquelas que estão ao nível das nossas passam completamente despercebidas. Há fontanários de água fresca e potável por todo o lado e, em Roma, a venda de garrafas de água não deve ser um negócio muito lucrativo.
O Papa: 1-1
Ah pois é, aqui houve empate. Porque se não fui ver o Papa em Lisboa, fui vê-lo a Roma, onde por sorte assisti a uma missa inteirinha ao ar livre a elogiar e a falar da visita a Portugal.

As maiores surpresas: os mercados de Trajano, o gueto, o Trastevere, o Aventino, as basílicas, o Panteão, o Coliseu e os fóruns.

As maiores desilusões: a Capela Sistina (onde a multidão e os guardas constantemente a pedir silêncio não nos deixam estar em paz ), a Piazza Navona (muito descaracterizada com estruturas montadas pelo meio e gente que nunca mais acaba), o Castel Sant'Angelo (onde dei €8 para entrar, com os interiores muito descuidados e umas exposições miseráveis) e a desmistificação das Vespas reluzentes e coloridas por todo o lado.

Lisboa ganha, se não na perspectiva dos turistas com tantas coisas grandiosas para ver, pelo menos na minha. A que avalia a qualidade de vida.

11 de junho de 2010

É inédito, saiu hoje e já é meu

Grande surpresa tive hoje à hora de almoço, quando o meu irmãozinho me ligou a dizer que tinha uma coisa para me dar. Quando eu julgava que me ia aparecer com uma guloseima, tipo travesseiros da Piriquita ou pastéis de Belém, ofereceu-me algo ainda maior, porque com muito mais valor e inesperado.

Leitora apaixonada desnaturada, nem sequer sabia que estava para sair o único romance inédito do espólio de Vergílio Ferreira, Promessa, escrito em 1947.

Um dia, em Conta-corrente, Vergílio Ferreira escreveu: «Se um artista não quer que se lhe conheça a obra, destrua-a ele.» E se não destruiu este inédito antes de morrer, aos 80 anos, é porque não se importava que fosse publicado. Fico-lhe agradecida. A ele e ao meu irmão.

9 de junho de 2010

Tudo é relativo

Um promotor de um qualquer produto ou serviço à saída das caixas de pagamento do Continente, com um folheto na mão:
- Posso oferecer-lhe um pouco do meu tempo?

E eu que julgava que ele queria o meu...

Como Deus manda, de Niccoló Ammaniti

Tenho lido muito ultimamente, e tenho-me esquecido de vir aqui relatar o quê, mas este não posso deixar de recomendar. É violento, muito. Bastante cheio de palavrões também. Mas intenso como há muito tempo não me lembrava de ler algo, daqueles livros que me fazem resistir ao sono e, de manhã, ansiar pela hora de voltar a casa para continuar a ler. Com um ritmo rápido, com personagens agressivas mas humanas, capaz de me provocar riso, ternura e repulsa ao mesmo tempo. Um daqueles livros que, ao ler, imaginava em filme. Que entretanto descobri que já há.

Em resumo: numa pequena cidade italiana, um rapaz de 13 anos mora sozinho com o pai, um desempregado neonazi que vive de biscates, depois de a mãe os ter deixado. O pai tem dois amigos, um com problemas mentais e neurológicos obcecado por uma personagem de um filme porno, e outro também abandonado pela mulher depois de a filha ter morrido com uma tampa de champô entalada na garganta. Todos desempregados que um dia planeiam roubar uma caixa multibanco. Só que na noite combinada cai um temporal daqueles, que muda tudo.

Eu sei que parece tudo um bocado exagerado e até «faca na liga». Mas ao ler Como Deus manda, de Niccoló Ammaniti, parece tudo extremamente real. Tal como na vida real, as coincidências acontecem. E, tal como na vida real, muitas vezes as personagens sentem simultaneamente amor e ódio pelo próximo.

Ganhou o Prémio Strega, o mais importante prémio literário em Itália, onde a produção literária é muita e boa. Prémio também já atribuído a escritores como Alberto Moravia, Primo levi, Sebastiano Vassalli, Sandro Veronesi e Umberto Eco. Acho que não é preciso dizer mais nada.

3 de junho de 2010

Perdemos João Aguiar

Há cerca de 13 anos, andava eu no curso de jornalismo do Cenjor, um dos trabalhos que tínhamos de fazer eram jornais e revistas diários e semanais, um bocadinho a sério e um bocadinho a brincar. Para uma dessas «edições» quis entrevistar João Aguiar, um dos meus autores preferidos na altura e cujos livros ainda hoje compro logo que saem(saíam).

Já não sei muito bem através de que artimanha, mas alguém do Jornal de Letras deu-me o contacto do escritor. Lembro-me de estar no meu quarto, com o meu telefone vermelho (sim, eu tinha uma extensão do telefone lá de casa no meu quarto...), nervosa antes de marcar o número. Liguei-lhe para um fixo e João Aguiar logo se dispôs a receber-me em sua casa.

Era algures para os lados de Oeiras, recebeu-me numa sala com uma grande janela e muitos livros, e durante umas duas horas fiz-lhe perguntas sobre a sua escrita. De A voz dos deuses, o primeiro que li, até A encomendação das almas, num registo totalmente diferente. Um gato preto passeava pela casa, com um nome africano de que já não me recordo. João Aguiar recebeu-me com toda a humildade e com toda a simpatia, e respondeu-me a tudo o que lhe perguntei para um gravador ainda dos velhinhos.

Mais tarde, em Outubro de 2006, voltei a estar com ele num curso de escrita criativa, e por brincadeira levei-lhe uma cópia da «notícia» que sobre ele tinha escrito. Por essa altura já tinha lido tudo o que tinha publicado, e continuei a fazê-lo até hoje.

E digo até hoje porque hoje João Aguiar morreu. Com 66 anos, vítima de cancro. Morreu um dos escritores portugueses mais humildes e acessíveis, alguém sempre pronto para conversar e que não tinha medo de com outros partilhar as suas técnicas e as suas ideias.

Vou ter saudades.