Será possível juntar 36 realizadores de cinema e fazer um filme coletivo para comemorar os 60 anos do Festival de Cannes em 2007? Certamente que sim, desde que se lhes dê um fio condutor. Que foi, precisamente, a sua visão do cinema, dos espetadores, das salas. Em
Chacun son cinéma (ou
Ce petit coup au coeur quand la lumière s'éteint et que le film commence), 34 filmes/
skectches curtinhos (2 deles foram realizados por «duplas»: Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, e Joel e Ethan Coen) mostram-nos outras tantas perspetivas, umas cómicas, outras trágicas, umas reais, outras surreais, umas que relembrarei, outras que já esqueci.
Dos 34, os 14 de que realmente gostei:
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Diario di uno spettatore - Nanni Moretti a fazer de si próprio. Que vontade de ver muito mais Nanni depois daqueles 3 minutos…
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47 ans aprés - relato da consagração em Cannes do egípcio Youssef Chahine 47 anos depois do início da sua carreira.
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At the suicide of the last jew in the world in the last cinema in the world – David Cronenberg filma-se a si próprio com uma arma na mão a tentar suicidar-se, enquanto duas vozes
off comentam calmamente a cena em tom de reportagem.
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Occupations - perspetiva trágico-cómica de Lars von Trier do que um chato ao nosso lado no cinema pode levar uma pessoa normal a fazer. A «pessoa normal» é representada por von Trier.
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War in peace - numa aldeia africana a guerra ainda vive mesmo depois de acabar, sobretudo nos olhos de tantas crianças. Wim Wenders filmou-os bem profundamente.
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Anna - de Alejandro González Iñárritu (o realizador de
Babel), o clássico da cega que vai ao cinema mas, pelo que percebi, com um novo ponto de vista, o da cega que ficou recentemente cega.
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En regardant le film - Zhang Yimou retrata de forma divertida a excitação da chegada de uma tela de cinema a uma aldeia chinesa.
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Cinéma de boulevard - uma história de amor que começou numa sala de cinema e que durou décadas, até na sala já só se sentar um casal partido ao meio. De Claude Lelouch.
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Cinema érotique - uma anedota clássica que Roman Polanski adaptou para uma sala de cinema onde passam filmes pornográficos em decadência.
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The last dating show - muito engraçada, esta ida ao cinema de um casal multicultural filmada por Bille August, em que os desencontros da língua podem ser uma ajuda para o romance… ou talvez não.
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Irtebak - um realizador israelita representado por si próprio (Elia Suleiman), numa autocrítica cheia de humor negro.
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Happy ending - com cada vez mais filmes à escolha em cada vez mais salas de cinema, o que pode ser alvo da escolha de pai e filho num fim-de-semana? Ir ao futebol, segundo Ken Loach.
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Rencontre unique - o nosso centenário Manoel de Oliveira surpreende ao realizar um filme mudo que retrata o divertido encontro único entre Kruschev e o «camarada papa» João XXIII.
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À 8 944 km de Cannes - um fala-barato e um incrédulo num diálogo alucinante e hilariante sobre o Festival de Cannes. De Walter Salles com os cantores Castanha e Caju.
Não posso chamar a isto um «filme», mas é sem dúvida uma experiência a não perder (cinemas El Corte Inglés). De preferência, com um bloco de notas ao colo, para no final relembrar tudo bem relembradinho...